Experiência gastronômica está em alta e chega a custar mais de R$ 800 por pessoa – tornando a maior parte dos restaurantes autorais ainda mais exclusivos.

Desde que reabriu o Evvai, em São Paulo, após os fechamentos impostos pela crise sanitária gerada pela Covid-19, o chef Luiz Filipe Souza se viu às voltas com um novo modelo de consumo dentro do restaurante.

O menu degustação, que sempre respondeu por no máximo 40% dos pedidos a cada noite, passou a representar 70% da demanda. Chegando, em alguns dias, a 90% do serviço.

“Foi uma surpresa para mim. Achava que isso só fosse acontecer em cinco, dez anos”, afirma o chef, feliz por ter seu trabalho autoral reconhecido.

Mas a mudança de hábito do consumidor começou a atrapalhar a operação. “Tínhamos de produzir pensando nas duas frentes e acabávamos jogando muitos insumos fora. Não fazia mais sentido continuar com aquilo”, lembra ele, que abriu mão dos pratos individuais para focar exclusivamente nas experiências gastronômicas a preço fechado.

Neste caso, R$ 611 pela sequência de 13 pratos, da entrada à sobremesa. Valor que pode passar de R$ 1 mil por pessoa caso se opte pela harmonização com vinhos.

Na sequência do espetáculo podem vir snacks de wagyu com ovas de truta curadas em prosecco e servido em porta-joias; uma releitura da tradicional rabada com polenta em forma de nhoque, recheado com guisado de rabo e queijo Marajó; e a salada fria de tomate, goiabada, guanciale, pepino e ostra, apresentada como uma pintura finalizada com folhas de ouro.

Inspirado nos banquetes da realeza, o menu degustação nasceu com o advento da “nouvelle cuisine” – movimento gastronômico que revolucionou a cozinha clássica nos anos 1970, ao pregar criações mais delicadas, leves e servidas em pequenas porções.

Largamente adotado no mundo inteiro pelos restaurantes mais gastronômicos e autorais, como D.O.M, Maní, A Casa do Porco e Oteque e Oro, no Brasil, o modelo tem se tornado cada vez mais comum e bem aceito pelo público, especialmente no pós-pandemia, quando cada saída se tornou uma pequena comemoração por estar vivo e novamente livre para circular sem medo.

Afinal, como já previa o consultor Carlos Ferrerinha, da MCF, nesse “novo normal”, o luxo passou a estar muito mais relacionado a ocasiões e vivências únicas do que a posses.

Não à toa, em algumas casas que trabalham com as duas opções de serviço, a degustação fechada já supera o número de pedidos por pratos individuais. Caso do paulistano Charco, do chef Tuca Mezzomo, onde a experiência composta por sete etapas (R$ 250) baseadas no que há de mais fresco no dia representa hoje 70% das vendas.

“Esse tipo de serviço é muito legal para mostrarmos todo nosso repertório e proposta. E dá a chance de o cliente provar muitas coisas que não teria coragem de pedir se fosse um prato único”, explica a chef Katrin Bassi, que ao lado do marido Dante tocam a cozinha do restaurante Manga, em Salvador.

Ali, os pedidos de menus degustação também vêm crescendo “especialmente nos fins de semana”. A sequência de 12 (R$ 290) ou sete etapas (R$ 195), pode incluir hits como a costela de boi no bafo com mil folhas de acelga, purê de berinjela com missô, ovo perfeito, picles de kombu e dashi de costela.

No ano passado, ainda com o funcionamento reduzido por determinação governamental, o chef Tsuyoshi Murakami decidiu testar no almoço uma versão simplificada do menu degustação que reina absoluto na casa que leva seu nome, em São Paulo.

Mas, segundo ele, teve de voltar atrás por demanda dos clientes, que chegavam determinados a viver a experiência completa, independente do horário.

Atualmente a casa só abre à noite, com três opções fechadas: a Experiência Murakami, de seis tempos, a R$ 470, que inclui fatias de peixe fresco e pratos quentes; o menu de sushis e sashimis, com 18 etapas, a R$ 680; e a Experiência Única, recém-lançada, que conta com nove tempos, incluindo uma lata de caviar, e sai R$ 1.150. Os pratos servidos variam a cada dia de acordo com o que há de mais fresco na cozinha.

Assim também acontece no balcão do restaurante secreto Omotebako, do chef Marcelo Tadashi Shiraishi, onde salmão, cream cheese ou foie gras não entram por princípio, mas nunca se sabe exatamente o que lhe aguarda.

“É tudo no escuro. As pessoas compram a confiança, o serviço, a marca. É uma experiência em torno da técnica, da qualidade e do estilo que quero entregar”, diz o chef, que já trabalhou nos hotéis cinco estrelas Royal Monceau (Paris), Mandarin Oriental (Munique), Baur au Lac (Zurique), além dos restaurantes Nobu de Mykonos e St. Moritz – tudo isso antes de abrir o Hiden, em Miami e o UN, em São Paulo.

Com 18 a 19 etapas, seu menu “omakase”, custa a partir de R$ 800 e está disponível para apenas seis comensais por noite (de quarta a sábado), mediante reserva e pagamento adiantado. Não obstante, só há vagas disponíveis para daqui três meses. “As pessoas fazem a próxima reserva antes mesmo de ir embora”, confidencia Tadashi.

Encher a casa também não tem sido uma preocupação do chef carioca Rafael Costa e Silva, que recentemente transferiu o restaurante Lasai – 22ª posição no ranking latino-americano do prêmio 50 Best Restaurants e uma estrela Michelin – de um imóvel com 40 lugares em Botafogo para outro com apenas oito lugares, no Humaitá.

Instalados ao redor da cozinha, os assentos garantem que nenhum movimento do chef seja perdido e cada detalhe da proposta gastronômica seja esclarecida imediatamente.

Com foco na sustentabilidade e inovação técnica, o menu degustação do Lasai varia toda noite, com clara valorização dos vegetais. Muitos deles vindos da horta particular (o restaurante também cria suas próprias galinhas). Entre as criações que podem estar nas 12 a 14 etapas (R$ 725 por pessoa) estão o nabo na manteiga com molho de quiabo, o flan quente de queijo com rabanete frito, o lagostim com palmito, leite de coco caseiro e ervilhas ou ostras com limão-caviar, mel e rabanete. Mas esperar pela surpresa também faz parte do jogo.

Se antigamente a presença de ingredientes nobres como caviar e foie gras eram as principais justificativas para os altos valores cobrados pelas degustações, hoje são a exclusividade, a equipe dedicada, as habilidades técnicas envolvidas, o conhecimento adquirido pelo chef em anos de experiência, o investimento em equipamentos ultramodernos e o próprio tempo que o comensal passa na casa que pesam na precificação.

“Enquanto rodo as mesas duas a três vezes por noite, o balcão, onde sirvo os menus fechados, serve apenas um turno”, explica a chef Tassia Magalhães, que começou a oferecer o serviço – limitado a 10 pessoas por noite – por demanda dos clientes, no Nelita.

“Ele nem consta no cardápio”, completa ela, que confessa: “Ter as duas operações é o terror de qualquer cozinha”.

Para facilitar a rotina, um cozinheiro é destacado para se dedicar exclusivamente às experiências de dez tempos, que sai R$ 390 por pessoa. Valor por prato bem abaixo da média praticada nas porções individuais. Mas, ainda assim o tíquete médio para quem opta pelo balcão pode facilmente subir para a casa dos R$ 600, R$ 700, com harmonização de vinhos.

Mas ter uma noite digna de festa de Babette não é, necessariamente, sinônimo de cartão de crédito estourado. Na Casa do Porco, 17º melhor restaurante do mundo segundo a premiação 50 Best, o banquete gastronômico com 8 tempos e “21 bocadas” sai por R$ 190.

E inclui o famoso Porco San Zé, assado por 6 a oito horas, sushi de papada com tucupi negro e ameixa fermentada, tartar de porco com nori e abacate, e hortaliças vindas do sítio da família, em São José do Rio Pardo (interior de SP).

Somos o restaurante de experiência mais barato do mundo. Fazer uma cozinha profissional de alto padrão acessível é o que me dá tesão. Meu termômetro de valor são as churrascarias de São Paulo”, diz a chef Janaína Rueda, que na volta dos fechamentos pandêmicos reduziu a apenas três os pratos individuais no cardápio.

“Sempre vendemos muito mais banquetes do que pratos pontuais. Mas não quero ser impositiva com nada”, explica.

Mas, como fechar a conta com um valor tão fora do praticado pelas demais casas do mesmo nível?

“Com volume. Atendo 14 mil pessoas por mês. Se não fosse isso ficaria impraticável. Mas não consigo nos enxergar de outra forma”, pontua a chef, que vai na contramão de seus pares que, ao reduzir cada vez mais o salão, tornam a alta gastronomia ainda mais exclusiva.

Questão de modelagem de negócio e clareza do perfil de público que se quer atingir é o ponto em comum de todos os chefs.

Fonte: CNN BRASIL